segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Sentir

Você de fato sente o que está sentindo? Ou tenta impor algo que deveria sentir, antes mesmo de se dar uma mínima atenção?

Arrisco dizer que você, assim como eu, foi treinado a não sentir. Fomos treinados a pular o presente, numa ânsia de antecipar - ou prever? - o futuro. O pequeno detalhe é que isso é impossível e nesse ingênuo descuido pode estar a base de muita infelicidade, de desarmonias diversas, inclusive doenças.

Um exemplo básico é o que falamos pra uma criança que se machuca: "não foi nada! Já passou!" e outras mentiras afins. Sim, mentira. Nos achamos muito honestos, criticamos ferrenhamente a corrupção, e no entanto mentimos deslavadamente e o tempo todo pros nossos próprios filhos. E pior: queremos que eles mintam pra eles mesmos! E acreditem!

A criança caiu, é CLARO que está doendo. E se a criança está chorando É CLARO que NÃO PASSOU.

O "vai passar" é menos mentiroso, afinal, tudo passa, mas é uma tentativa de não sentir o presente e se apegar a uma esperança de um futuro sem dor. Mas quem garante?

Agora ao invés da criança que cai é o adulto que leva um pé na bunda, da paixão ou do chefe... e aí, não foi nada? Já passou?

Eu poderia citar inúmeros exemplos de situações onde fomos ensinados a não sentir, ou de situações onde praticamos conosco o não sentir, mas acho que você já pegou o espírito da coisa...

E como gosto das coisas práticas e objetivas, proponho um exercício: comece a observar seus sentimentos. Geralmente é mais visível quando é uma situação de incômodo. Perceba esse incômodo chegando e antes mesmo de se perguntar por que está assim, ou tentar se convencer de que aquilo "não é nada e logo vai passar", ou ainda de se atropelar querendo impor como você deveria estar se sentindo, sinta. Afirme: "eu estou com raiva!". E sinta a raiva!

Sinta seu corpo durante esse episódio de raiva. Resista bravamente à tentação de procurar porquês (essa armadilha é muito presente pra mim, não sei com você). A questão é que não dá pra saber por que estou sentindo isso, antes mesmo de sentir! A mente se adianta e perde o foco. Não importa por que você está com raiva, só importa que está. Então sinta.

Serve pra raiva, tristeza, medo, ciúme, solidão, saudade, revolta... até pra dor física. Sinta a dor antes de correr pro analgésico. Ou de pensar no médico.

Observe sua mente. A minha fica muito inquieta, tipo "como assim isso está acontecendo e eu não vou fazer nada?!". Sossega mente...

O próximo passo é se aceitar, libertando-se dos ideais, que aparecem em frases como "Eu não deveria estar assim, eu deveria estar assado...". A dica é afirmar: "Eu estou com [raiva] e eu me amo e me aceito mesmo assim". No meu caso tem acontecido um pouco diferente: "eu estou com raiva. Por que estou com raiva?! Eu não deveria estar procurando porquês! Mas eu me amo e me aceito mesmo assim". Experimente. Sem julgamentos. Essa é uma prática de amor incondicional. Amor por você mesmo, que é requisito pra amar qualquer outro ser - ou coisa, vai saber...

Feito esse simples exercício - afirmar o que está sentindo e afirmar a autoaceitação - abra-se pro inesperado. Eu não sei o que vem depois, e nem você sabe. Não tem como saber.

Mas tem como sentir... só que sentir, ao contrário da ilusão do saber, não se antecipa. Sentir é agora. E só.



PS - esse texto e o anterior (Confiar) relatam experiências que me foram inspiradas por uma musa. Ah, eu tenho uma musa! Se é que é possível ter uma musa. Talvez seja mais adequado dizer que fui/estou sendo abençoada pela presença de uma musa... presença com forte influência no que tenho vivido e tudo que escrevo, como sempre, é fruto do que vivo. Tudo o que aconselho estou na verdade dizendo pra mim mesma e praticando eu mesma... mas por outro lado não consigo deixar que você ache que tudo isso simplesmente saiu da minha cabecinha... por mais que isso não tenha a menor importância!


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