quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Eu não sou racista, mas...

Dia desses estava eu com meu filho voltando de um passeio, caminhando em direção ao nosso carro, quando noto a presença de um homem ao lado do carro. O cara ali em pé, com uma cara meio séria e um olhar de quem não sabe pra onde vai. Com as orelhas em pé e antenas ligadas, reduzi o passo, olhei em volta.

Na fração de segundo que ganhei reduzindo o passo, vi que o cara estava só trancando o carro dele, que estava ao lado do meu, e antes que eu atravessasse a rua ele já tinha ido na direção oposta.

Fêmeas com filhote são naturalmente mais alertas... mas o cara era negro... e não era lá muito "bem vestido" (não gosto desse termo, mas não tenho paciência pra procurar atenuantes...).

Tentei simular minha reação se o cara fosse branco. Branco e mal vestido. Branco e bem vestido. Negro e bem vestido. Só sei que me vi num emaranhado de racismo - pela cor da pele - e preconceito - pelo teor das vestes.

Uma vez li num texto da Carta Capital que qualquer frase que comece com "eu não sou racista, mas..." não vai terminar em boa coisa.

Eu não sou racista, MAS fiquei com medo do homem negro ao lado do meu carro.

Eu não sou preconceituosa, MAS fiquei com medo do homem mal vestido ao lado do meu carro.

Aproveitando a pauta da violência contra a mulher, não sei se é verdade, mas li que qualquer redação do ENEM que tivesse a frase "Eu não sou machista, mas..." seria automaticamente desclassificada.

E agora sentindo na pele a força desse "mas", entendo que a desclassificação não é pelo machismo, mas pela desonestidade. Quem afirma "eu não sou machista, mas..." é lógico que é machista! E além de machista é mentiroso!

Voltando à minha vivência, percebi claramente o quanto sou racista e preconceituosa. Percebi o quanto sou levada por uma imagem e o quanto minha intuição, aquela da fêmea com filhote, está abafada, soterrada e respirando com dificuldade sob os escombros de aulas de história e geografia, de novelas, de notícias de jornais e revistas, de conversas vazias, enfim, de pontos de vista alheios a mim e que, não sei por que raios, um dia tomei como sendo meus.

Felizmente situações como essa tiram um tanto de entulho! Ao olhar e aceitar meu racismo e meu preconceito eu sabia claramente que não iria "curar" essa minha visão equivocada tendo mais aulas de história e geografia ou refinando meus veículos de mídia e lendo o Blog do Sakamoto. Eu soube o que não fazer, mas não soube o que fazer... mas tudo bem. Olhei, aceitei e segui a vida.

Até que, semanas depois, a resposta veio numa conversa com a minha mãe e meu cunhado (concunhado, na verdade, rs...), num despretensioso almoço de sábado, no quintal com crianças correndo e churrasqueira churrascando.

Não lembro como começou, mas temos essa facilidade pra pular de "hum, o tabule ta uma delícia" pra "a solução do mundo é a elevação espiritual de cada um". E assim foi. Eu falei a primeira frase, minha mãe a segunda, não necessariamente nessa ordem e com algumas outras no meio.

E aí o lance é esse. Não se cura racismo com aula de história, não se cura machismo com estatísticas e depoimentos. A única forma possível é CADAUM olhar pra dentro de si e buscar essa tal dessa consciência, dessa lucidez, dessa centelha divina, porque nesse lugar não há espaço pra racismo, machismo e qualquer outro ismo.

A má notícia é que você não pode fazer isso por ninguém. Não há campanha que dê jeito... (e que pretensão fazer uma campanha de conscientização! Não é possível conscientizar o outro. Mas voltaremos nesse tópico).

A boa notícia é que VOCÊ e SÓ VOCÊ pode fazer isso por você. E vou dar uma dica: não precisa de nada nem ninguém. Precisa olhar pra dentro, precisa se ouvir. O resto é alegoria. Mas aí a questão é com você...

Eu tenho feito. Eu tenho olhado pra dentro. Eu tenho me ouvido. Eu tenho cultivado a presença. E tem sido lindo! Mas sabe o que está sendo mais lindo nessa história? Descobrir que eu posso. E descobrir também que é muito mais fácil e simples do que eu pensava, a partir do momento em que parei de buscar fora, parei de ter dúvida e simplesmente confiei em mim mesma. No começo bateu uma solidão, confesso. Bateu até um abandono, uma vontade de que fizessem por mim. Mas só durou até eu entender a verdadeira liberdade que existe por trás disso. E só dá pra entender vivendo.

Mas e o mundo? E os absurdos que existem por aí? Vamos deixar atrocidades acontecerem enquanto olhamos pra nossos umbigos?!

Primeiramente, não vamos olhar pra nossos umbigos, e sim pra nossos corações e, acredite, esse é o maior ato de altruísmo que uma pessoa pode fazer! Viver em conformidade com seu coração.

Depois basta dar vazão à sua necessidade de expressão, uma necessidade básica do ser humano, mas que fica um tanto negligenciada ou desviada se não estamos conectados com a nossa essência, com o nosso coração, com a nossa consciência.

O movimento é esse: olha pra dentro e expressa pra fora. Assim, redundante mesmo: expressa pra fora! Deixa sair, deixa brilhar, deixa, deixa, deixa...

Deixa
Fale quem quiser falar, meu bem
Deixa
Deixe o coração falar também
Porque ele tem razão demais quando se queixa
Então a gente deixa, deixa, deixa, deixa
Ninguém vive mais do que uma vez
Deixa
Diz que sim prá não dizer talvez
Deixa
A Paixão também existe
Deixa
Não me deixe ficar triste

Saravá Baden Powel!!!
Saravá Elis!!!

https://www.youtube.com/watch?v=biqZ3ImZlZI




segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Sentir

Você de fato sente o que está sentindo? Ou tenta impor algo que deveria sentir, antes mesmo de se dar uma mínima atenção?

Arrisco dizer que você, assim como eu, foi treinado a não sentir. Fomos treinados a pular o presente, numa ânsia de antecipar - ou prever? - o futuro. O pequeno detalhe é que isso é impossível e nesse ingênuo descuido pode estar a base de muita infelicidade, de desarmonias diversas, inclusive doenças.

Um exemplo básico é o que falamos pra uma criança que se machuca: "não foi nada! Já passou!" e outras mentiras afins. Sim, mentira. Nos achamos muito honestos, criticamos ferrenhamente a corrupção, e no entanto mentimos deslavadamente e o tempo todo pros nossos próprios filhos. E pior: queremos que eles mintam pra eles mesmos! E acreditem!

A criança caiu, é CLARO que está doendo. E se a criança está chorando É CLARO que NÃO PASSOU.

O "vai passar" é menos mentiroso, afinal, tudo passa, mas é uma tentativa de não sentir o presente e se apegar a uma esperança de um futuro sem dor. Mas quem garante?

Agora ao invés da criança que cai é o adulto que leva um pé na bunda, da paixão ou do chefe... e aí, não foi nada? Já passou?

Eu poderia citar inúmeros exemplos de situações onde fomos ensinados a não sentir, ou de situações onde praticamos conosco o não sentir, mas acho que você já pegou o espírito da coisa...

E como gosto das coisas práticas e objetivas, proponho um exercício: comece a observar seus sentimentos. Geralmente é mais visível quando é uma situação de incômodo. Perceba esse incômodo chegando e antes mesmo de se perguntar por que está assim, ou tentar se convencer de que aquilo "não é nada e logo vai passar", ou ainda de se atropelar querendo impor como você deveria estar se sentindo, sinta. Afirme: "eu estou com raiva!". E sinta a raiva!

Sinta seu corpo durante esse episódio de raiva. Resista bravamente à tentação de procurar porquês (essa armadilha é muito presente pra mim, não sei com você). A questão é que não dá pra saber por que estou sentindo isso, antes mesmo de sentir! A mente se adianta e perde o foco. Não importa por que você está com raiva, só importa que está. Então sinta.

Serve pra raiva, tristeza, medo, ciúme, solidão, saudade, revolta... até pra dor física. Sinta a dor antes de correr pro analgésico. Ou de pensar no médico.

Observe sua mente. A minha fica muito inquieta, tipo "como assim isso está acontecendo e eu não vou fazer nada?!". Sossega mente...

O próximo passo é se aceitar, libertando-se dos ideais, que aparecem em frases como "Eu não deveria estar assim, eu deveria estar assado...". A dica é afirmar: "Eu estou com [raiva] e eu me amo e me aceito mesmo assim". No meu caso tem acontecido um pouco diferente: "eu estou com raiva. Por que estou com raiva?! Eu não deveria estar procurando porquês! Mas eu me amo e me aceito mesmo assim". Experimente. Sem julgamentos. Essa é uma prática de amor incondicional. Amor por você mesmo, que é requisito pra amar qualquer outro ser - ou coisa, vai saber...

Feito esse simples exercício - afirmar o que está sentindo e afirmar a autoaceitação - abra-se pro inesperado. Eu não sei o que vem depois, e nem você sabe. Não tem como saber.

Mas tem como sentir... só que sentir, ao contrário da ilusão do saber, não se antecipa. Sentir é agora. E só.



PS - esse texto e o anterior (Confiar) relatam experiências que me foram inspiradas por uma musa. Ah, eu tenho uma musa! Se é que é possível ter uma musa. Talvez seja mais adequado dizer que fui/estou sendo abençoada pela presença de uma musa... presença com forte influência no que tenho vivido e tudo que escrevo, como sempre, é fruto do que vivo. Tudo o que aconselho estou na verdade dizendo pra mim mesma e praticando eu mesma... mas por outro lado não consigo deixar que você ache que tudo isso simplesmente saiu da minha cabecinha... por mais que isso não tenha a menor importância!


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Confiar

Foi numa sessão de acupuntura que tive uma clareza do que é confiar.

Eu confio em você porque confio em mim. A confiança que tenho na minha capacidade de escolha me deixa segura para confiar nas suas escolhas que me envolvem. A confiança que tenho na forma como lido com os encontros e desencontros me tranquiliza quanto a possíveis "erros". Confio ainda no fato de que só atraímos o que precisamos - e procuro manter minha presença para não vir a precisar de tombos e machucados e sofrimentos diversos. A gente aprende sim no sofrimento, mas esse não é o único método e nem o mais eficiente...

E foi com todo esse sentimento que entreguei meu corpo ao terapeuta. Em alguns momentos ele me pedia permissão pra fazer isso ou aquilo e eu simplesmente consentia. Eu não tinha vontade nenhuma de perguntar o porquê disso ou o porquê daquilo, e sei que essa vontade não vinha porque os porquês não eram necessários. A escolha já havia sido feita.

Sinto bem parecido no que diz respeito ao meu relacionamento conjugal. As escolhas podem ser revistas, mas não existe "em cima do muro". Se estamos, estamos, a escolha foi feita e a confiança é consequência natural. Mas note: não existe lugar para "você traiu minha confiança". O que pode vir a existir é algo mais parecido com "eu me enganei nas minhas ilusões" ou "lamento ter que aprender isso dessa forma". Ok, o capítulo matrimonial merece um texto só pra ele!

Por outro lado, não tenho nem um pouco dessa entrega quando vou a um pronto socorro. Não vou deixar o médico aplicar uma injeção em mim ou no meu filho antes de saber exatamente o que se passa. E se precisar de auxílio especializado será de um médico da minha confiança; será de um médico que eu escolhi.

Sei que muitas vezes a própria situação nos deixa com poucas escolhas, e é pra evitar esses momentos que é importante cultivar a presença.

Esse tema da escolha é, na verdade, um outro capítulo. Chegarei lá!