segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Rico pode esbanjar, pobre não

Num país com o abismo social que existe no nosso, gastar dinheiro com "perfumaria" deveria ser considerado crime grave. Não importa se você trabalhou honestamente pra ganhar esse dinheiro.

Enquanto houver uma pessoa passando fome, não deveríamos pagar contas de 3 dígitos num jantar; enquanto houver uma criança fora da escola, não deveríamos matricular nossos filhos em instituições que cobram mensalidades maiores que o salário anual de muitas famílias; enquanto houver pessoas sem teto não deveríamos construir mansões. Ah sonho socialista...

Escrevo essas palavras com dois belos carros na garagem, planejando minha próxima viagem ao exterior e prestes a gastar uma boa grana na construção da minha casa. Não aponto o dedo pra você, aponto pra mim. Sei o quanto é difícil abdicar dos confortos pessoais em benefício da comunidade. Eu queria mesmo é que TODOMUNDO pudesse viver no conforto. Como faz?!

Não sei. Mas podemos pelo menos refletir sobre todas as "perfumarias" que temos. Antes disso: definir o que é perfumaria... Podemos ter em mente qual é a renda média do brasileiro (algo em torno de R$ 1.000,00), e tentar viver com isso. [risos nervosos]. Não dá!!! Pois é... entendeu o que é "perfumaria"?

Vamos ter consciência da nossa posição privilegiada. Vamos parar de criticar programas sociais, porque nós NUNCA sentimos na pele o que é passar fome. Tenha paciência, muitos de nós nunca sentiram na pele nem o que é ter que dividir a sobremesa com o irmão!

Por falar em sobremesa, tenho uma amiga que luta com afinco pra perder peso e eu, magrela solidária tentando ajudar, comecei com meu blablabla, quando ela simpaticamente diz que não discute regime com quem nunca teve que perder 20kg.

Pois eu não deveria discutir Bolsa Família com quem nunca passou fome.

Mas não consigo! Não consigo ficar quieta!!!

Aí vem me falar que a pessoa largou o emprego pra "viver de bolsa família". Não acredito, não acredito e ponto. A pessoa pode até ter largado o emprego com carteira assinada, que lhe tiraria o benefício, mas está por aí fazendo bicos, trabalhando sem fundo de garantia, férias, etc... sabe por que? Porque pra essa pessoa R$ 120,00 é dinheiro. Essa pessoa não pode se dar ao luxo de pensar em aposentadoria, férias e décimo terceiro, essa pessoa precisa do dinheiro e precisa dele AGORA.

E tem também a pessoa que recebeu Minha casa, minha vida e alugou, vendeu, sei lá. Oh, que crime. Vai lá então, morar com sua família naquele cubículo árido. Ah, então é melhor não fazer as tais casas? Não, pra muita gente o cubículo árido é melhor que o banco da praça... as perfumarias são relativas...

Pois eu considero falta MUITO mais grave comprar o carro do ano. NÃO QUERO SABER QUE VOCÊ CONSEGUIU ESSE DINHEIRO FAZENDO EXPEDIENTES DE TRABALHO DAS 6h ÀS 22h. Esse expediente só beneficiou a você, ou nem isso, te exauriu, te privou da sua família, acabou com a sua saúde.

Ou, no mínimo, trabalhe feito um condenado (ou não) e compre a porcaria do carro, mas não venha falar besteira.

Ai chega, estou me excedendo e quando fico assim perco até a educação... desculpa.



Resumindo: é muito fácil falar em ética e honestidade com a barriga - e a geladeira! - cheias. É muito fácil falar que "é um absurdo fazer isso com o dinheiro público" quando o aluguel está em dia (ou quando não é preciso pagar para morar). É muito fácil dizer "quem quer vai atrás e consegue" quando se tem um (ou vários!) diplomas pendurados na parede.


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Como cultivar a espiritualidade - parte II

A experiência de leveza e liberdade que o capítulo anterior me proporcionou foi tão grande e está sendo tão boa, que quase se basta. Mas sei que há muito pela frente.

No desfrute dessa graça surgiram outros insights, ou sacações, como minha cada vez mais tênue - ou apurada - inclinação hippie prefere.

Um exercício interessante foi me deixar levar pelo rio do tempo (mais uma metáfora com água... não é intencional, mas sei que nada é por acaso!). Amparada pelo bem estar da liberdade recém descoberta, deixei de lado a ansiedade de "ter que resolver". Como era de se esperar, as coisas foram se resolvendo, ou se revelando, como uma nova paisagem que aparece depois da curva.

A paisagem me trouxe três chaves pra me guiar nessa busca de cultivar a espiritualidade. Vou falar de cada uma delas, iniciando pela que tenho mais familiaridade e deixando com que o tempo amadureça em mim as outras duas.

Pois bem, minha primeira chave pra cultivar a espiritualidade é a Natureza.

Óbvio, claro. Sempre esteve comigo, desde os pequenos pés descalços que subiam em árvores. O contato com a Natureza - com inicial maiúscula - sempre me foi fonte de inspiração, fonte de energia, abrigo em momentos de confusão ou desconsolo. A Natureza já me trouxe muitas respostas e já me fez milhões de perguntas. Em nome da Natureza escolhi um ofício. Em nome da Natureza fiz e faço pregações. Mas calma, não transformarei a Natureza em religião!

Só que a partir de hoje, quando me perguntarem "como anda a minha espiritualidade", ou como faço para cultivá-la, responderei com serena convicção:

- tenho contemplado o amanhecer e o entardecer
- tenho observado as plantas do meu jardim
- procuro sentir a brisa fresca da noite
- estou prestando mais atenção à diversidade dos sons de pássaros e insetos que me rodeiam

Essa é minha prática cotidiana, diária. Mas existem também as missas de domingo e os retiros espirituais, onde é possível:

- contemplar uma paisagem sem nenhuma interferência humana aparente
- sentir o corpo formigando ao sol depois de um gelado banho de cachoeira
- soltar-se ao balanço das ondas de alguma praia limpa e tranquila
- absorver o estrelado do céu e ser absorvida por ele
- admirar as diversas estampas das asas das mariposas numa noite de inverno no alto da serra
- dormir ao som de grilos e sapos
- pisar na terra, pisar na areia, pisar na pedra

E por aí vai... poder desfrutar desses momentos traz significado à minha vida, à medida em que me sinto parte dessa orquestra. E como explicar que a água fria do chuveiro nada tem a ver com a água fria da cachoeira? Como explicar que nenhum CD de sons da natureza embala o sono como o coachar e cricrilar ao vivo? Isso é estar em contato com a espiritualidade...

Voltando à nossa definição inicial: A espiritualidade pode ser definida como uma "propensão humana a buscar significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível, à procura de um sentido de conexão com algo maior que si próprio".

C.Q.D.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Como cultivar a espiritualidade - parte I

Tenho sido cobrada pelas pessoas que me ajudam a cuidar da minha saúde a cultivar a espiritualidade.

Preguiça. Desânimo. Frustrações. Desilusões.

Vou puxando o fio que me liga a essa palavra e os azois não trazem resultados animadores. Como se eu estivesse num barco, à minha volta o oceano vasto e profundo. Sei que a espiritualidade está ali, mas ONDE?! Na verdade a pergunta não é onde, pois eu tenho nas mãos o fio que me liga a ela. A pergunta seria QUANDO? Ou seria COMO?

Continuo puxando, ciente de que essas perguntas não me ajudam e de que não me resta outra opção a não ser puxar, puxar... e limpar o que chega. Descartar o descartável. Guardar o útil. Mas só posso guardar depois de limpar, porque seja lá o que for, não sai intacto de uma temporada submerso no oceano.

Aí chega um pacotão. Pesado, desforme, fedido. O nome desse pacote é religião. Empaco. Não consigo puxar mais, não aguento. Fico diante daquela "coisa". Percebo que pra avançar na minha jornada em busca da espiritualidade preciso me livrar daquilo. Mas ao mesmo tempo fui ensinada que é o contrário: o pacotão de religiões é o que permite acessar a espiritualidade. Só que minha realidade mostra que não! Não é assim! Definitivamente esse pacote é um estorvo, não me deixa continuar puxando o fio, me impede de enxergar adiante.

Com um pouco mais de força finalmente tiro o pacote da água e trago à bordo. Agora a questão é ter estômago para abri-lo. Preciso mesmo fazer isso? E se eu simplesmente joga-lo novamente na água? Posso continuar puxando meu fio, ele não vai me incomodar mais. Mas e se dentro dele tiver alguma coisa que me seja útil?

Percebo então que não preciso resolver isso de uma vez. Tenho sim que criar coragem e tirar toda aquela camada de lodo, algas e cracas. Respiro fundo, tampo o nariz e faço a faxina superficial. Jogo a sujeira fora. De volta ao mar não é sujeira, à bordo sim. Para meu espanto, vejo que depois disso não sobra muita coisa. O trabalho pesado já foi.

Deixo então aqueles objetos num canto - muitos dos quais totalmente desconhecidos. Agora o fio vem mais leve. Às vezes vem alguma coisa que encaixa certinho com um daqueles objetos do pacotão.


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Dizem que meu lado racional, mental, me dificulta o acesso à espiritualidade. Recebi a seguinte orientação: "use sua mente a seu favor". Parece que agora estou entendendo. O texto acima foi um exercício mental que me proporcionou um ótimo insight.

E já que sou racional e preciso usar isso a meu favor, vou pesquisar no Google o que é espiritualidade, pra começo de conversa.

A espiritualidade pode ser definida como uma "propensão humana a buscar significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível, à procura de um sentido de conexão com algo maior que si próprio". A espiritualidade pode ou não estar ligada a uma vivência religiosa

Thanks Wikipédia!

Pode ou não estar ligada a uma experiência religiosa. Pode estar pra você, não está pra mim. Não está pra mim agora, mas já esteve. Pode ser que esteja no futuro, vai saber?

Ok, resolvi o pacotão. Foi mais fácil do que eu pensava.

Que leveza!