domingo, 30 de setembro de 2012

Vida de cachorro

Conheci o Jawa em 2001, quando fui morar na Casa da Siriguela, onde ele já morava.

Quem adotou o Jawa foi o Marcão, que fazia mestrado na Esalq e tinha trabalho de campo no Xingu. O nome dele era originalmente algo do tipo Djhawat, que, segundo informações passadas de boca a ouvido, significa onça em alguma língua indígena. No final simplificamos pra Jawa, porque preencher ficha em veterinário e carteirinha de vacinação era sempre um episódio a parte.

Pois bem, o Marcão morava na Siriguela, junto com a Mari. Depois ele veio a se fixar no Xingu e o Jawa ficou com a Mari, que um belo dia resolveu ir embora da casa, passando-a pra Morena, com quem eu fui morar. A condição para ficar com a casa - disputadíssima por sua localização, aluguel convidativo e principalmente pelo quintal - era assumir o Jawa. Sem problemas!

Foram morar conosco também o Axé e o Márcio, então namorado da Morena. Eu, que antes morava na Casa do Estudante (entenda-se um quarto e meio banheiro), de repente ganhei uma casa com sala, cozinha, quintal e cachorro! Além dos companheiros, é claro! Foram tempos ótimos naquela casa!

Acabei voltando pra Casa do Estudante, o Axé também foi pra outro canto e a Morena e o Márcio continuaram com a casa - e com o Jawa.

Quando eles foram embora não puderam levá-lo, pois se mudaram pra um apartamento em Belém. Mais uma vez a condição pra escolha do próximo morador foi que continuassem cuidando do Jawa e assim foi.

Foram morar na Siriguela o PC - meu então namorado e atual marido -, o Caramelo e o Ancião. Mais um tempo se passou e eu e o PC resolvemos morar juntos e os meninos gentilmente foram buscar outros cantos, nos cedendo a casa.

Só que nesse meio tempo eu adotei o Pajé, que tinha ido morar comigo em Pedra Bela e agora me acompanhava em Pira. No começo foi difícil fazer os dois conviverem. O Jawa, por um lado, senhor supremo da casa, e o Pajé, mimado e ranzinza não deixava barato.

Por sorte eu estava numa época de pouca atividade e pude me dedicar à árdua tarefa de convencê-los que seria melhor para todos se se entendessem. Ter um pai adestrador de cães ajudou e em alguns meses eles já rolavam no chão brincando como filhotes! Depois disso, nos cerca de seis anos que viveram juntos tiveram três ou quatro episódios de estranhamento, e só. Foram grandes companheiros, cada um com sua personalidade canina adorável.

Foi o PC que decidiu quebrar a tradição de entregar a Siriguela junto com o Jawa e quando mudamos pra Itu ele foi junto. Finalmente o Jawa tinha um dono! Antes era ele o dono da casa, o anfitrião, mas acho que o sonho de todo cachorro é ter, de fato, um dono, no sentido mais carinhoso do termo.

Lá fomos nós pra uma casa quase sem quintal, mas o que o Jawa queria era ficar com a gente. Ele sempre gostou de ficar com a gente, no nosso pé.

De Itu viemos morar em Bragança, numa casa enorme, com gramado, árvores, passarinhos e cia. Mas o Jawa queria ficar com a gente, dentro de casa, sempre junto. E ficava. Foi nessa casa que ele passou os últimos meses, velhinho, surdo, meio cego, tomando muitos remédios, mas com um abanar constante do rabo. Ele sempre abanava o rabo!

O Jawa era muio simpático e não precisava muito tempo pra ele conquistar quem se achegasse. Ele foi muito querido pelos nossos amigos, fazia parte da turma. Sempre gostamos de levar os cachorros nas viagens, especialmente as de fim de ano, porque eles se apavoravam com os rojões. Assim o Jawa conheceu a Serra do Cipó, o Pouso da Cajaíba, a Mantiqueira, a Serra da Canastra, o Saco do Mamanguá.

Ao contrário do Pajé, que adora água e se divertia à beça, o que o Jawa gostava mesmo era de estar com a gente - e de encontrar, vez ou outra, uma cadelinha charmosa.

O Jawa não gostava de água nem de banho. Fora isso e os rojões, acho que tinha poucas coisas das quais ele não gostava. Ah, ele não gostava de tempestades...

Ele gostava muito de um tapetinho! Ele gostava de comer toda e qualquer migalha que caísse no chão da cozinha; ele gostava de passear; ele gostava de tomar sol; ele gostava de visitas e quando tinha mais gente em casa ele não parava quieto!

Ele era muito bonzinho, não dava trabalho pra tomar remédio e nos últimos dias, já bem fraquinho, o PC levava ele pra fazer xixi na grama e ele entendia.

Ele gostava de cenoura e de manga (aprendeu com o Pajé). Quando a ração não mais o apetecia, gostava de carne assada ou cozida e arroz.

Na minha "vida adulta" o Jawa é o primeiro cachorro com o qual eu convivo por tanto tempo e que se vai. Confesso que vê-lo envelhecer e adoecer foi triste... no final ele exigiu cuidados constantes, o que fez com que alterássemos planos e ficássemos mais em casa. Nos últimos dias ele chorava o tempo todo, aquele gemidinho que parece um sagui. Era claro que ele estava sofrendo e ver um ente querido sofrendo também é sofrido.

Chegamos a cogitar se seria o caso de sacrificá-lo, mas eu achava que não tínhamos razão pra chegar a tanto, afinal, era demandante, ele sofria, mas ele estava ali, "lúcido", como disse minha mãe... no fim não foi mesmo preciso e foi melhor assim.

Toda essa trajetória me faz repensar a vontade e a necessidade de ter a companhia canina. Claro que temos o Pajé, que apesar de já estar no décimo primeiro ano de vida, esbanja vitalidade e espero que fique conosco por muito tempo ainda.

Mas avaliando esse hábito de ter cachorro - e qualquer outro "bicho de estimação" - começo a achar um tanto sem sentido. Subjugamos os bichos às nossas vontades, prendendo-os, dando-lhes comida que lhes causa câncer, deixando-os sozinhos, enfim, eles fazem o que a gente quer e pra quê? Pra acharmos bonitinhos, pra desfrutarmos de sua companhia (quando a gente quer, é claro), talvez pra nos proteger ou nos dar uma sensação de segurança. Não sei se a relação é justa, por mais bem cuidados que os bichos sejam.

E aí eu vejo a quantidade de pet shops com bugigangas mil e o tanto que as pessoas gastam com seus pets. Isso tudo não é pelo bicho... isso é pra preencher algum vazio que o bicho não tem como preencher e com isso ainda depositamos neles uma responsabilidade que não lhes compete e que muitas vezes lhes custa o abandono e a morte em frias mesas de aço inox.

Escrevo isso sob o "calor da hora" e sei que é muito cedo pra dizer "dessa água não beberei"... mais.

Mas situações extremas proporcionam reflexão e, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, não desperdicemos essas oportunidades de ouro para nos aprimorar e fazer os neurônios trabalharem!

Além da companhia adorável, mais esse presente o Jawa me deixou. A oportunidade de repensar hábitos e atitudes "consolidadas". Uma vida nunca deve ser desperdiçada. Nenhuma gota.

2 comentários:

  1. Os acontecimentos deveriam sempre nos servir para uma reflexão, sejam eles positivos ou negativos. Convivi um pouco com o Jawa, e com certeza aprendi muito e o agradeci em vida por esta oportunidade. Sei que as pessoas não concordam muito, mas sempre penso que o homem tem bichos de estimação para satisfazer suas vontades ou necessidades, preencher seu orgulho. Fico imaginando por exemplo, o cara que tem aquário, ele pega um peixinho "bonitinho"tira do seu habitate, coloca numa jaula de vidro, só para ficar olhando aquela beleza solitária e mostrar para os outros aquele peixinho bonito. Penso mais ou menos assim com todos os bichos que são tirados do seu meio, criados e comercializados só para satisfazer o homem, e isso por aqueles que gostam, imaginem se não.
    Só para finalizar, também tem cachorro em casa e todos ficam "orgulhosos" quando recebe elogios sobre o cachorro. Não quero tirar nenhuma conclusão sobre o assunto, mas acho que os bichos são utilizados para satisfazer o nosso ego.

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    1. Oi Ed, obrigada pelo comentário! Por mais difícil que seja admitir isso, também venho chegando a essas conclusões... mas pelo menos a gente honra essas vidas e se aprimora através do convívio com elas!
      Grande abraço!

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