domingo, 8 de janeiro de 2012

Bolívia & Peru - Diário de Bordo: Ep. 4 - Uyuni: Poderia ser pior x melhor impossível, dia 2

Como de praxe, acordamos cedo, tomamos o desayuno e empacotamos as coisas. A vida cigana faz com que durmamos cada noite em um lugar e isso ainda vai longe...

Chuva fina que ia e vinha, coreanos pra todos os lados e outro grupo, esse totalmente "multinacional", que estava fazendo o caminho inverso, vindo do Chile: dois brasileiros, três israelenses, três franco-canadenses, um búlgaro e uma irlandesa, se não me falha a memória (algumas coisas eu anoto, outras não...).

Tudo aparentemente certo, nos apresentaram nosso novo motorista e nosso novo carro, com a boa notícia de que iríamos só nós quatro! Reorganizaram os coreanos em outros carros e passaram o bumba pro grupo multinacional... ah, pra quê! A galera ficou revoltadíssima com o ônibus caindo aos pedaços e falaram que só sairiam dali em carros 4x4, conforme fora contratado.

Os motoristas vieram com um papo de que o ônibus seria mais seguro para atravessar o salar, contando uma lorota atrás da outra, mas a galera não arredou o pé e exigiu os carros 4x4. Teve um momento em que eles até ocuparam um dos jipes, que seria dos coreanos. O maior quiprocó e nisso fomos informados de que teríamos que mudar de carro... mais uma vez mudamos toda a bagagem, mas não sem antes verificar se não estavam nos mandando pro bumba!

Tudo certo, fomos pro carro do Santiago e ficamos lá esperando a confusão se resolver. Finalmente partimos, com um bom par de horas de atraso... em comboio, por segurança, por causa da chuva e das más condições das estradas, cinco carros ao todo, até bonito de ver =D

Tudo estava indo bem, até chegar em um trecho de estrada que só passa um carro e, adivinha? Claro que estava vindo outro na direção oposta. Descem todos os motoristas e fazem uma reunião para resolver o que fazer. Nunca estive em uma reunião de condomínio, mas deve ser parecido com aquilo! Todos falam ao mesmo tempo, ninguém resolve nada e chega-se a conclusões lusitanas: os cinco carros voltaram um bom trecho de estrada para que o outro único veículo passasse... ok, podem ter outros fatores envolvidos e jamais questiona-se a decisão do capitão.

A tropa segue e a paisagem muda depressa. Formações geológicas curiosíssimas, picos nevados, vales verdejantes, povoados fantasma, lhamas... subindo, sempre subindo, chegamos aos 4.400 m de altitude!

Foi nesse dia que fui apresentada ao "baño inca". Eu com minha constante vontade de fazer xixi, ao chegar no tal povoado fantasma, escaneei o entorno à procura de um lugarzinho para aliviar a pressão abdominal, por assim dizer. Digo ao Santiago, nosso motorista, que "necesito ir al baño", ao que ele responde, com muita naturalidade, dizendo que era só achar um cantinho atrás de um muro. "El baño inca!", completa ele com um sorriso. Era tudo o que eu queria, um banheiro com cheiro de terra, onde a posição acocorada me permitia total conforto sem tocar em nada!

Paramos pra almoçar em um povoado menos fantasma e tivemos uma mesa só pra nós, com comida só pra nós! Tipo os malas que não se misturam, sabe? Mas, na boa, queria ver o seu senso de socialização com aquele grupo peculiar... nem o PC deu conta!

Continuamos com as paisagens cada vez mais diferentes, com milhares de caminhozinhos semi paralelos e umas pedras empilhadas que deviam representar algum código oculto para indicar a direção correta. Chegamos em um dos principais cartões postais da região, a Árvore de Pedra. Formação bem bonita e diferente, mas estava um vento frio dos infernos, como sempre... algumas fotos e todos de volta pro carro!

Mais algumas horas de sacolejo e chegamos à entrada da Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaroa, onde tem as lagunas, os geisers e as águas termais. Nosso alojamento foi na margem da Laguna Colorada, acima dos 4 mil e lá vai pedrada de altitude.

É preciso pagar Bs 150,00 para entrar na reserva, que não está incluído no pacote, da mesma forma que a Isla Incahuasi (a Colque nos avisou previamente dessas despesas, mas tem agência que não avisa... na Isla você pode não pagar e ficar esperando no carro - óbvio que não é isso que você vai fazer quando viajar horas e horas e horas pra chegar até lá, mesmo porque não são nem 10 reais - mas na reserva não tem jeito, tem que pagar porque o pernoite é lá).

Os brasileiros do grupo que conhecemos no outro alojamento nos alertaram sobre as condições desse... insalubre, definiram. Confesso que tive uma crise entre ter otimismo para "não ser tão ruim assim" e pensar no pior cenário, para me preparar e não criar expectativa... a crise não se resolveu a tempo e foi realmente um choque chegar naquele lugar!

Insalubre, como definiu o conterrâneo; precário, escuro, fedido, sujo, feio, pra descrever melhor. Pelo menos ficamos com um quarto só pra gente (tá vendo, poderia ser pior...); pelo menos o teto era de laje, à prova daquele vento incessante (aí, ó como poderia ser pior...); um dos banheiros era impossível, estampando dejetos seculares nos vasos que certamente nunca receberam um desinfetante, mas no outro (tinha outro!) o álcool gel segurava a onda e dava pra encarar (diz se não poderia ser pior?).

As camas tinham lençóis e cobertores que não era possível identificar a última vez que tinham sido lavados, já que o alojamento recebe grupos novos todo dia e não se vê um lençol no varal! O corredor dos quartos era metade de lajota e metade de terra, onde ficavam as mesas das refeições. O lugar era bem estranho!

Fiquei meio pasma e paralisada dentro do quarto. Todos estávamos bem abalados com o cenário. Até que tive um lampejo: se foi um esforço tremendo pra chegar até aqui e se vou ter que aguentar passar a noite nesse lugar, tem que ter alguma coisa que faça valer a pena!

Peguei a Baronesa (a câmera do PC, pra quem não foi apresentado), coloquei todos os agasalhos que eu tinha e fui ver a tal da Luguna Colorada, afinal, conclusão óbvia, estávamos na margem de um dos lugares mais bonitos do passeio!

Aí sim! Fim de tarde com cores maravilhosas, nuvens extravagantes, lua nova, flamingos. Estava realmente mágico. E então eu me senti tão bem por estar naquele lugar... me senti envolvida pelo céu, pelas nuvens, pelos últimos raios do sol, pela sutileza da lua, pelas águas gélidas da laguna, pelo vento - ah, esse era o que mais envolvia!!! Não demorou muito e o PC se juntou a mim. Tiramos mais algumas fotos, andamos um pouco, conversamos um pouco... e com os corações abastecidos de beleza, voltamos pro nosso alojamento, que já nem parecia assim tão mal ;)

Nessa hora deu uma saudade do Aralume... uma vontade de contar pra todo mundo o que eu estava sentindo... aí corri pro meu mega chique Moleskine que ganhei da mana e fiz uns apontamentos! [Ana, saiu até um desenhinho! :) ]

Tomei um super banho de lenços umedecidos (item indispensável na mala do aventureiro limpinho!), renovei o talco para os pés, o desodorante, a calcinha, passei meu shampoo de lavagem a seco e voilá, outra pessoa! Pra que gastar água?! Na verdade até dava pra tomar um banho e quente (!) por algo do tipo Bs 10,00... mas eu não conseguia nem pensar em tirar a roupa naquele banheiro, pela sujeira e pelo frio!

Não demorou muito e chegou a hora do jantar, que foi à luz de velas (lá tem energia elétrica, mas não tinha lâmpadas suficientes, rs...). Primeiro a sopinha, como sempre. Depois um macarrão com um molho de tomate que você não acredita! Massa e molho separados e um molho encorpado, bem temperado, realmente unbelievable!!! E tinha até queijo ralado! O PC e o Lelo compraram um vinho e a mesa estava realmente muito charmosa.

Depois do jantar um menino veio oferecer pra tocar uma música na zampoña, flauta típica. Só que a flauta era vagabuuuuuuunda, tadinho, de plástico, quase não saia som... demos umas moedas pra ele e dei também a minha outra moeda linda e dourada de R$ 0,25... pensei que se eu fosse uma criança iria gostar de receber uma "moeda de ouro"... falei pra ele que era "una moneda era muy especial"... desejo sinceramente que ele possa ter sonhos e fantasias com aquela moeda...

Depois de escovar os dentes com água mineral, nada de pijama, fui dormir toda encapotada, juntinho com o Paulo Cesar. Melhor impossível!

Notas para segurança e conforto do viajante:
Já exaltei as maravilhas dos lenços umedecidos e volto a repetir. Se você acha que é frescura, beleza, mas pra quem não está acostumado a ficar dois dias sem tomar banho essa pode ser a diferença entre o bom humor e o mau humor. Claro que não é a mesma coisa que água e sabão, mas dá uma sensação de "frescor e limpeza" sim. Da mesma forma, pra quem tem cabelos compridos, o shampoo a seco também é uma mão na roda ;)
Se quiser evitar contaminações indesejadas, álcool gel e lenços de papel sempre à mão. No nosso primeiro almoço "on the road" me senti A cocota ao limpar pratos e talheres com lencinho e álcool gel, mas, na boa, prefiro isso a uma desinteria ou coisa que o valha...
E o mais importante: muita atenção com a água! Compramos litros e litros de água mineral em Uyuni, mas também levamos Hidroesteril. Aprendi com o meu lendário Professor Álvaro Almeida que uma inocente escovada de dentes pode te contaminar se a água for duvidosa, então na hora da higiene bucal, pasta, escova e cantil à postos!
São cuidados que não custam nada, mas que podem assegurar que você vá realmente aproveitar o passeio. Viajar pra passar mal, nunca mais! Isso é coisa de amador e é claro que já fui amadora...

5 comentários:

  1. Estou adorando os relatos, e quero ver os desenhinhos!!

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  2. Eu também, rindo muito,surpresa,emocionada - aspereza e beleza me lembrando paisagens de Elomar

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  3. Não sei se já leu, mãe, mas o Elomar foi um grande companheiro nesta viagem ;)

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  4. Ana, acabei de postar os desenhinhos no Face!

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